Empreendedorismo além da fronteira: conheça a Gaza Sky Geeks, a 1ª e única aceleradora da Faixa de Gaza

Entrevista com Said Hassan, Gerente da Gaza Sky Geeks – primeira e única aceleradora da Faixa de Gaza.  

Imagine construir um negócio com pouco recurso. A maioria dos empreendedores começa assim, certo? Agora imagine construir um negócio não apenas com escassez de recursos, mas também de energia elétrica, de internet, de segurança e de liberdade de ir e vir. É uma cena impensável? Para os empreendedores e para a equipe da Gaza Sky Geeks, a primeira e única aceleradora de startups da Faixa de Gaza, esta é a realidade diária.

Com a premissa de que “Todo empreendedor deve ter acesso à energia elétrica” a aceleradora lançou este mês o crowdfunding chamado #PowerUpGazaSkyGeeks, que tem o objetivo de arrecadar fundos para a compra de um gerador, o qual irá possibilitar o acesso à mais do que apenas as 6 horas de energia elétrica não consecutiva que é fornecida pelo governo diariamente. Além disso, também ajudará na compra de um aquecedor e um ar condicionado para amenizar as condições climáticas. Até o momento em que esta matéria é escrita, eles já conseguiram atingir as duas primeiras metas da campanha. E até o dia 27/01 arrecadam fundos para a construção de uma escola de codificação e empreendedorismo para meninas de 10 a 17 anos que vem de comunidades de refugiados.

A região da Palestina possui 40km de extensão e apenas 12km de largura. É marcada por históricos conflitos políticos e religiosos, e pelo bloqueio de suas fronteiras. Marcada por pobreza, falta de recursos e por uma taxa de desemprego de mais de 40% – a maior do mundo. Mas em meio a tantos motivos para se entregar à situação desfavorável, muitos resolveram ir em busca de uma vida melhor através da tecnologia e do empreendedorismo.

Criada em 2011 com grande ajuda do Google for Entrepeneurs, foi por meio de doações e campanhas como essa que a aceleradora e espaço de co-working já conseguiu criar mais de 100 empregos direta e indiretamente, facilitou mais de 100 mentorias em Gaza, possui uma média de 60 pessoas diariamente usando o espaço e já possibilitou que 22 fundadores de startups aceleradas tivessem a oportunidade de viajar para fora da região (para a maioria deles, pela primeira vez).

Nós da Startup Farm batemos um papo com Said Hassan, Gerente de Aceleração da GSG. Ele nos contou um pouco sobre como é a vida de um empreendedor nestas condições extremas, como é o ecossistema da região, e sobre as dificuldades e objetivos da aceleradora. Confira:

S.Farm: Os programas de aceleração de vocês têm uma das mais altas participações de mulheres empreendedoras do mundo. Conte-nos um pouco mais sobre isso.

gaza-sky-geeks-3pgSaid H.: Realmente incentivamos muito a participação de mulheres em nossos programas. Temos alguns específicos para mulheres e temos uma participação feminina média de 50%.  O Technovation, que aplicamos aqui, é um programa que ajuda meninas de 10 a 17 aprenderem códigos para se tornarem desenvolvedoras. Após esta idade temos o Code Club, voltado para mulheres com mais de 18 anos. Além disso, já realizamos o primeiro Hackaton apenas de mulheres. A nossa ideia é que elas entrem aqui novas e consigam ficar até uma idade onde possam se desenvolver e se consolidar na profissão ou em seu próprio negócio.

Imaginamos que com apenas 6 horas de energia elétrica diária vocês precisam tirar o máximo de proveito deste tempo. Como é a rotina diária dos empreendedores com esse racionamento de energia?

Temos hoje uma média de 60 pessoas que vão trabalhar no co-working da GSG, entre staff e empreendedores. A maioria delas quer trabalhar em suas startups e manter o contato com o seu time. Quase todos têm uma bateria externa e vão ao escritório principalmente para carregar seus laptops. O problema é que não se sabe quando a eletricidade ficará disponível. Não há um período especifico para as 6 horas de energia por dia e, portanto, não é possível programar o dia de acordo com isso. O segundo problema é que ainda que se tenha eletricidade quando a energia elétrica vai embora, a internet também se vai. Temos que adaptar nossa vida à esta situação.

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Como é o ecossistema na região? Existem outras aceleradoras? Já existem startups ou vocês acabam formando pessoas que construíram novas empresas?

O ecossistema é bastante pequeno ainda. Somos a única aceleradora da região. Existem também algumas incubadoras e espaços de co-working que estão iniciando suas operações. Existem startups na região sim, ainda que poucas. Ano passado tivemos 60 aplicações para o nosso programa, e hoje temos 11 startups sendo aceleradas.

Como funcionam os investimentos? Existem investidores anjos e empresas de Venture Capital em Gaza?

Não existem empresas de Venture Capital em Gaza. Vivemos basicamente de doações e temos o apoio de algumas grandes empresas e investidores locais. Entre eles estão Coca-Cola Foundation, Google for Entrepreneurs, Bank of Palestine, Bayt.com, entre outros.

Assim como vem acontecendo no Brasil, você acha que a alta taxa de desemprego ajuda a aumentar o interesse pelo empreendedorismo?

Com certeza. Isso não resolve o problema, mas certamente ajuda a minimizá-lo. Mesmo que alguém que venha até nós não tenha ainda uma startup, nossos cursos ajudam a formar pessoas e agregam um conhecimento que os permitem conseguir empregos ou trabalhos como freelancers.

Qual o maior desafio da Gaza Sky Geeks?

Felizmente conseguimos bater as nossas primeiras metas para amenizar o problema da energia elétrica. O maior desafio, porém, é levar as pessoas de Gaza para fora da região, para que assim possam chegar a outros países. A fronteira é o nosso maior desafio.

E qual a maior meta?

O nosso maior objetivo é conseguir que uma das nossas startups tenha um investimento de 1 a 2 milhões de dólares. Isso impulsionaria todo ecossistema da região trazendo mais atenção para a questão toda. Além disso, queremos ajudar mais pessoas e startups de Gaza a se desenvolver. Outro grande objetivo é ajudar mais mulheres de Gaza a se envolver com tecnologia e empreendedorismo.

Como é o mercado da região? As startups visam o mercado local ou um nível internacional?

O foco das startups é o mercado regional, e por regional quero dizer o Oriente Médio e países árabes. Todo o ecossistema e soluções inovadoras aqui ainda está muito no início e não há muitas startups na região, portanto encorajamos nossos empreendedores que busquem esse mercado.

Pode compartilhar uma história de sucesso, pessoal ou profissional?

Temos uma ótima história de sucesso de uma empresa de games sobre o mundo árabe, a Baskalet. Os fundadores tinham um grande sonho de poder trabalhar com o que gostavam e de poder empreender. Começaram com muito pouco e em seu primeiro ano de atuação conseguiram quase 1 milhão de downloads, se tornando um dos Top 5 games dar região. Ficamos muito orgulhosos do trabalho deles.

Baskalet

Por fim, pedimos à Said que deixasse uma mensagem para os empreendedores brasileiros. E foi essa:

“A principal coisa para um empreendedor é se unir a outros como ele. Acho que temos muito em comum. Encorajamos muito a que se conectem conosco, pois nós não podemos sair daqui. Então entendam o que fazemos, conectem-se com a gente e com uma comunidade de pessoas, que assim como nós, está tentando mudar o mundo”

A Startup Farm acredita e defende fortemente que iniciativas inovadoras podem contribuir para um mundo melhor e que estas devem estar acima de qualquer questão política, religiosa ou ideológica. Para saber mais sobre a Gaza Sky Geeks e para contribuir para a campanha acesse: https://gazaskygeeks.com/powerup/.

Entrevista e texto por Julia Chagas

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