Como a Startup Farm se tornou a melhor aceleradora do Brasil

Assim como os negócios que apoia, empresa passou por grandes mudanças em sua trajetória de apenas seis anos

Alan Leite na sede da Startup Farm, em São Paulo

Quando entra em um programa de aceleração de negócios, é comum o empreendedor fazer ajustes até encontrar o melhor caminho para emplacar sua ideia. É o que aconteceu com a Startup Farm, ela mesma uma novata que acelera outros negócios.

Criada em 2011, a empresa apoiou dezenas de companhias nascentes ao mesmo tempo em que testava diferentes modelos para sua própria operação. Valeu a pena: em seis anos, o negócio tornou-se rentável e conquistou o título de melhor aceleradora do Brasil, dado pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups) com base em votação de especialistas, entre vários critérios.

Quem relata essa evolução é o atual CEO da Startup Farm, Alan Leite. Ele trabalhava em uma consultoria de gestão no Rio de Janeiro, em 2012, quando foi convidado pelo fundador da aceleradora, Felipe Matos, a assumir o comando.

Matos tinha sido chamado para organizar o Start-Up Brasil, programa de apoio do governo federal a empresas nascentes, e buscava um substituto para tocar a aceleradora lançada um ano antes. “Eu não queria vir para São Paulo, mas achei que minha vida estava muito certinha e resolvi mudar”, conta Leite. Ele diz que o crescimento da aceleradora se deu junto com o amadurecimento do ecossistema empreendedor no Brasil.

Em teste

Ainda com Matos à frente, a Farm testou vários formatos de aceleração, com ciclos de duração variada e diferentes modelos de remuneração da sua atividade. “Alguns duraram nove dias; outros, 15”, diz Leite. “Teve também aceleração paga e individual”, acrescenta. No primeiro modelo, as startups desembolsavam um valor para receber orientação e a aceleradora não ficava com participação no negócio. No segundo, as equipes eram formadas na hora, por empreendedores que não se conheciam previamente.

Depois de poucos meses na Startup Farm, Leite questionou o fundador sobre a profusão de modelos e sobre algo que, na sua visão, dificultava a viabilidade da operação: a aceleradora não fazia aportes nas aceleradas e também não tinha participação acionária nelas. “Falei para o Felipe: esse negócio não funciona.”

Para Leite, não era viável financeiramente apoiar as startups e depois simplesmente não acompanhar mais os empreendedores, sem usufruir do amadurecimento dos negócios acelerados. Caso essas companhias tivessem muito sucesso, a aceleradora não seria recompensada. Foi o que aconteceu com a EasyTáxi e a InfoPrice, apoiadas no início pela Farm, e que se tornaram grandes empresas.

A aceleradora fez então uma consulta junto aos empreendedores e investidores sobre a ideia de realizar investimentos em troca de participação societária. De acordo com o CEO, o termo “justo” foi o mais ouvido naquele momento. “Eu tinha medo de as pessoas acharem errado a gente ter porcentagem, mas o mercado recebeu muito bem.”

Em janeiro de 2015 aconteceu o primeiro programa no novo modelo, com aporte de R$ 40 mil em cada novata em troca de 8% de participação, além de uma duração mais longa, de cinco semanas. Para investir nos empreendedores e na própria estrutura, a aceleradora recebeu R$ 5 milhões de Carlos André Montenegro, fundador da Sack’s, primeiro e-commerce de perfumes e cosméticos do Brasil.

Assim como uma startup, a Farm utilizou o capital recebido para crescer e realizou oito edições do programa no modelo com participação acionária. Entre 10 e 15 startups eram escolhidas em cada turma. A última aceleração no formato de cinco semanas de duração teve investimento de R$ 50 mil em troca de 10%.

Em 2017 aconteceu outra grande mudança, que proporcionou capital para a aceleradora crescer. Apesar de já ter como parceiros empresas como Google, IBM, Baptista Luz Advogados e Falconi, a Farm ainda não contava com uma mantenedora, o que só aconteceu depois de um acordo com a Visa.

Cenário atual

Leite deixa claro que a empresa de serviços financeiros não é sócia da aceleradora. “Eles patrocinam todas as nossas iniciativas e tiveram um programa com naming rights”, explica, em referência ao Ahead Visa, iniciativa de apoio a startups de todos os segmentos e que leva o nome da mantenedora.

Além disso, a equipe da Farm fez um treinamento com os 130 funcionários da Visa em São Paulo, para engajá-los com conceitos próprios das startups.

A parceria coincidiu com um novo modelo de aceleração, lançado no início de 2017, com grande ampliação da duração, de cinco semanas para seis meses, e também de investimento. Agora, cada empresa nascente recebe até R$ 150 mil e cede, no máximo, 10% de participação. A aceleradora recebe 5% pelo programa e pelos benefícios que concede aos empreendedores e pode ficar com até outros 5% dependendo do valor que a startup captar em sua primeira rodada de investimentos após o programa.

Veja como funciona a Startup Farm e o dia a dia dos empreendedores no vídeo:

O ciclo de aceleração é dividido em três fases. A primeira, chamada Laser Focus, é presencial e dura cinco semanas. O objetivo é refinar o modelo de negócio e definir o problema que os empreendedores vão resolver.

Também com duração de cinco semanas, o segundo módulo é remoto. Com o nome de Get Sales Done, o intuito é colocar as startups no mercado. Para isso os empreendedores devem testar seu produto ou serviço e fazer melhorias de acordo com o feedback que recebem dos clientes.

A última fase, Fundraising, leva 15 semanas. Apesar de ter como objetivo preparar as empresas para se estruturar e receber investimentos, os empreendedores continuam testando seu modelo de negócio e fazendo alterações. “Varia de acordo com a startup”, diz Leite. “Algumas são procuradas por investidores logo no começo do programa, aí a gente já discute com eles se é o momento de receber investimento”, conta.

Durante os seis meses, a aceleradora também coloca à disposição das startups sua rede de mentores. Há profissionais de contabilidade, comunicação e marketing, por exemplo, para dúvidas específicas. E também estão disponíveis os Farmers (como são chamados empreendedores que já passaram pelo programa) para auxiliar as equipes em questões mais amplas.

Desenvolvimento do ecossistema

Sobre o modelo de aceleração mais recente, de 2017, o CEO da Startup Farm é categórico. “Se o nosso programa fosse igual há dois anos, a Farm teria morrido.” Leite diz que as demandas dos empreendedores já não seriam atendidas pelas fórmulas anteriores.

Novamente a similaridade com o desenvolvimento das startups aparece. Assim como os empreendedores precisam evoluir de acordo com o retorno que recebem dos usuários, a aceleradora segue a mesma lógica, com a diferença de que seus clientes são as próprias startups.

Segundo Leite, outro desafio foi lidar com as equipes cada vez mais preparadas que chegavam à aceleradora. O número de projetos é maior – e a qualidade também. No início, diz ele, eram 60 inscrições para selecionar cerca de 15 negócios. Atualmente são menos de dez startups selecionadas entre mais de mil inscrições recebidas.

O desenvolvimento do ecossistema empreendedor brasileiro nos últimos anos ficou evidente para a Farm. “Hoje temos [nas startups] vários pós-graduados e ex-executivos de grandes empresas”, diz Leite. A crise econômica, de acordo com ele, ajudou nesse sentido, já que muitos profissionais qualificados e experientes passaram a empreender.

Portfólio e saídas

Atualmente a Farm conta com cerca de 100 companhias em sua lista de investidas. O número não contempla os primeiros anos da aceleradora, quando esta não realizava aportes financeiros nas startups. Ao longo dos seis anos, mais de 270 novatas foram aceleradas.

Entre os mais de 800 Farmers que trabalharam junto à aceleradora estão os fundadores da Easy Táxi e os da InfoPrice, empresa de inteligência de negócios focada em ajuste de preços do varejo físico, que hoje conta com mais de 250 colaboradores.

Apesar de não ter tido saídas (quando o investidor vende sua participação) nesses casos, Leite não se arrepende. “Naquela época era o modelo que as aceleradoras utilizavam”, diz. Se tivesse investido nas novatas, a Farm teria tido retorno financeiro com o crescimento dessas empresas.

A aceleradora só fez uma saída até agora, quando a companhia norte-americana de tecnologia Tivit comprou a mineira One Cloud, voltada a serviços de nuvem. No entanto, o CEO afirma que essa não é uma preocupação no momento. “Queremos estar com as startups por bastante tempo, continuar investindo nelas. Essa saída que tivemos, por exemplo, foi contra a nossa vontade, mas fazia sentido para o empreendedor.” Faz parte do amadurecimento.

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