Um panorama do ecossistema latino-americano

Recentemente, o Startup Genome liberou a nova versão do seu estudo global sobre ecossistemas de empreendedorismo. E infelizmente para os entusiastas brasileiros de empreendedorismo digital a única representante latino-americana no estudo – a cidade de São Paulo – caiu da 12ª posição no último estudo para nem se quer ser vista na lista dos Top 20 do mundo. Mas calma, isso não significa necessariamente que estamos indo mal. Um dos principais motivos para este resultado é a ascensão meteórica de cidades asiáticas que não constavam na lista anterior, como Beijing e Shanghai.

É fato que a América Latina em geral está distante de ecossistemas mais desenvolvidos como Vale do Silício ou Israel, mas nós, como players ativos no ecossistema, sabemos que existe muita coisa boa acontecendo por aqui. Com isso em mente, resolvemos dar uma olhada mais de perto na América Latina e entender melhor o que a região tem para oferecer.

A América Latina representa aproximadamente 9% da população mundial, com uma média de idade majoritariamente jovem, ao redor de 29 anos, e com um PIB beirando os US$ 5,3T. Os países mais representativos em número de habitantes e PIB são Brasil, México e Argentina, mas para o cenário de startups temos, além destes, outros players relevantes para considerar, como o Chile e a Colômbia.

Ainda neste cenário digital, é esperado que a população online dobre de tamanho nos próximos anos e que 956 milhões de conexões móveis sejam alcançadas em 2020, se tornando a segunda maior base de smartphones do mundo, atrás apenas da Ásia.

Pensando em Brasil –  nossa casa e nosso ecossistema mais familiar – os dados online são bastante expressivos.  Por exemplo, estamos em terceiro lugar em número de usuários no Facebook e Instagram além de ficarmos atrás só das Filipinas em tempo gasto online, segundo dados da We are Social. E sim, temos mais smartphones em uso do que pessoas no país: 242 milhões segundo levantamento da Teleco.

No fomento ao empreendedorismo, o Brasil tem algumas cidades despontando como Belo Horizonte com o San Pedro Valley e Florianópolis com uma forte comunidade de desenvolvedores. Mas o ecossistema mais maduro continua sendo São Paulo. Iniciativas como o Campus São Paulo – um ambiente do Google para o desenvolvimento de startups e fomento ao ecossistema empreendedor, presente em outras 5 cidades do mundo – são fortes indicadores do potencial do ecossistema. São Paulo também concentra 64% de todos os ativos sob gestão de capital de risco da América Latina, segundo a LAVCA. Fato bastante expressivo para a região porém tímido globalmente, uma vez que a média global de investimento semente por startups é de US$252k e no Brasil, US$ 84k. Este foi um dos fatores, aliás, que nos fez cair no ranking global. Vemos também um movimento http://blog.startupfarm.com.br/programas-de-aceleracao/novo-modulo-do-ahead-nosso-programa-de-aceleracao-levara-startups-para-o-vale-do-silicio-em-parceria-com-a-visa-e-o-google/cada vez maior de grandes empresas se aproximando do ecossistema e da inovação, dando abertura para que as startups possam atingir um nível global de forma mais rápida. Como exemplo disso, a Startup Farm, a Visa e o Google fecharam uma parceria para levar as startups do programa de aceleração ahead para o Vale do Silício neste ano.

O México também possui um ecossistema vibrante e, em 2015, superou o Brasil pela primeira vez em volume de investimento de risco. Existe um interesse governamental expressado por agências como Fondos de Fondos, National Institute of the Entrepreneur (INADEM) e o Startup México que alavancaram os investimentos em 4,2X do primeiro semestre de 2015 para o mesmo período de 2016. Além do incentivo governamental, existem também iniciativas privadas de peso como Techstars e 500startups e algumas outras próprias já tem alcance global, como o Fuckup Nights – eventos com intuito de compartilhar as falhas de empreendedores.  A proximidade com os Estados Unidos que poderia ser vista como um benefício acaba porém, sendo um desafio. Surpreendentemente, apenas 11% das startups mexicanas se aventuram no mercado estado-unidente logo no início.  A grande maioria tem uma dificuldade muito grande em reter seus talentos no país com os atrativos salários em dólar do vizinho. E são muitos talentos: o México forma mais engenheiros que o Canadá ou a Alemanha.  

Um ecossistema que merece atenção pela sua peculiaridade é o Chile. Com uma forte presença governamental, o Chile possui diversas iniciativas de fomento ao empreendedorismo. A mais importante delas é o Startup Chile, que dá investimento inicial sem equity e com visto de trabalho por um ano para startups estrangeiras usarem o mercado como plataforma de teste. Existe uma discussão em volta da viabilidade do modelo, já que a maioria das startups estrangeiras só ficam no país tempo suficiente para usufruir dos benefícios, porém é possível observar resultados de impacto. Houve a geração de 1600 empregos em 2015 e mais de US$100 milhões de dólares de capital externo levantado pelas empresas apoiadas. E, apesar do cenário artificialmente criado pelo governo, entre 2010 e 2014, o mercado de capital de risco cresceu 110% e hoje, o Chile já alcançou 31 little-ponies (empresas avaliadas acima US$10 milhões), 7 centauros (empresas avaliadas acima de US$100 milhões) e um unicórnio (empresas avaliadas acima de US$ 1 bilhão).

E para terminar de compor o cenário latino-americano, dois ecossistemas emergentes, com grande potencial de crescimento são Argentina e Colômbia. Único país da América Latina com 4 prêmios Nobel, a Argentina também é o único país latino-americano que possui dois IPO’s em bolsas americanas na conta, o Mercado Livre e o Globant que foram fundadas no início dos anos 2000. Os anos seguintes foram bastante complicados para o país, que só recentemente começou a se recuperar. Esse fôlego trouxe um novo entusiasmo e várias iniciativas para o empreendedorismo digital, como a lei do Empreendedorismo que visa diminuir a burocracia para abrir empresas e alavancar os investimentos semente no país. E para o futuro, há planos de abrir 10 novos fundos nos próximos 4 anos, três com US$30 milhões.

A Colômbia também tem planos ambiciosos para a alavancar a inovação digital do país. O Bancoldex, antigo Banco da Colômbia, está criando um mega fundo de US$500 milhões para fomentar investimentos estrangeiros de private equity e capital de risco. Outra iniciativa relevante é a Innpulsa, o programa governamental focando na fase inicial das startups. O mercado colombiano é visto como uma excelente plataforma de teste por ter um tamanho intermediário em relação às demais economias da América Latina. Além disso, o país conta com mais de 10 anos de estabilidade econômica e uma população urbana bastante conectada.

Como podemos notar, o ecossistema de empreendedorismo digital da América Latina está fervilhando. Existem muitas iniciativas promissoras e muitas coisas boas tem potencial de acontecer num futuro não tão distante. Mas existem alguns fatores responsáveis por frear a velocidade potencial de crescimento, nos deixando atrás das cidades asiáticas que falamos no início. Podemos citar as poucas opções de exits expressivas para investidores como um destes fatores. Ou seja, ainda não existe na América Latina potenciais vendas milionárias de startups para grandes empresas como nos Estados Unidos, vendas assim só acontecem com players estrangeiros, dificultando o processo. Isso inibe o investimento de risco, já que a multiplicação do capital investido é limitada. Além disso, as chances de aberturas públicas de capital em bolsa também são bastante reduzidas em comparação com outros mercados, como o americano, por exemplo. Esse cenário faz com que investidores na América Latina tenham maior aversão ao risco e precisem de maior validação do negócio e tração para aportarem, além de abocanharem uma fatia maior da empresa.

Outro ponto que precisa ser citado é a educação. Apesar de termos bons profissionais a um preço abaixo de mercados como Estados Unidos ou Europa, e do investimento em pesquisa e desenvolvimento ter crescido nos últimos anos, a América Latina ainda não é uma powerhouse de inovação disruptiva e a maioria dos modelos são adaptações de modelos estrangeiros. A região também é marcada por oscilações do cenário econômico, burocracia exacerbada e casos de corrupção, que não são endêmicos do ecossistema de inovação digital, mas o afetam em grande profundidade.

É verdade, temos um caminho árduo pela frente, muito do que nos segura é resquício de um passado histórico que lutamos para superar. A corrida não está ganha.  Precisamos diminuir de forma mais rápida as barreiras ao empreendedorismo com ainda mais incentivo governamental, maior apetite ao risco de nossos investidores e maior visão global das nossas startups. A América Latina tem ganhado relevância no cenário internacional de startups, nosso grande case de impacto global está próximo, só precisamos apertar o passo.

Pesquisa e texto por Camila Betterelli

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